segunda-feira, 20 de outubro de 2014

EURIDES OVÍDIO PEREIRA


Homenagem ao pioneiro de Campo Mourão que faleceu em 29 /09/2014, às vésperas de completar 96 anos. Adormeceu o decano e arquivo vivo da história de Campo Mourão e da família Pereira, mas seus relatos não se perderam em ouvidos moucos. Ao Mestre Eurides Ovídio Pereira dedico carinhosamente o presente resgate histórico por tudo o que aprendi com ele.


Governador Bento Munhoz da Rocha Netto
recebe vereador Eurides, de gravata listrada.
E se Eurides seguisse com Camarguinho?
Um dia qualquer de 1925. Os adultos estavam na roça. Alguém apareceu na porteira. Um menino de sete anos escutou o pedido de um homem bem vestido:
- “Meu filho, você ouviu falar do Manoel Mendes de Camargo, o Camarguinho? Pois eu venho trazendo uma boiada de Mato Grosso. Me adiantei quatro ou cinco dias.  Eu estou com fome e meu burro está cansado. Eu queria que você desse um pouco de milho pra ele e fizesse uma comida pra mim”.
Apesar da pouca idade, Eurides Ovídio Pereira saiu-se bem. Esquentou o resto do almoço e fritou ovos e linguiça. O estranho matou a fome e alimentou o burro. A atitude do menino impressionou o forasteiro, que o convidou:
- Gostei muito de você. Quando teu pai chegar, diga a ele que Manoel Mendes de Camargo passou por aqui. Conte que você me atendeu muito bem. Se ele quiser me dar você pra eu criar, vou te educar como se fosse meu filho”. E o forasteiro seguiu em frente para pernoitar em Campo Mourão.

A história de Eurides não convenceu o pai, Pedro Ovídio Pereira. Imaginação de criança, claro! Dez dias depois um toque de berrante rompeu o sertão. A tropa atravessou o rio Paraná de balsa em Porto São José e pegou o picadão Boiadeira rumo a Campo Mourão. Todos pararam para ver a boiada, rumo a Pitanga, Guarapuava, com destino a Curitiba. Passaram bois a tarde inteira perto da casa de Eurides, na margem direita do rio Cachoeira. O menino achou a coisa mais linda. Mas será que Camarginho esqueceu-se dele?
Como na primeira vez, Manoel Mendes de Camargo cavalgava um burro saino e vestia terno preto de cassemira. Carregava um persuelo – dois bocós de couro sobre o animal. De um lado roupa, paçoca de carne e um cantil d’água e do outro dinheiro. Assim, cheio da gaita, ia de Curitiba até Mato Grosso comprar e trazer gado, com boiadeiros empreitados, descansando à noite em invernadas alugadas. Era um homem corajoso e despachado!

Eurides nasceu em 12 de outubro de 1918 em São João, perto do rio Papagaio, que deságua no rio da Várzea, próximo do Piquirivaí, patrimônio de Campo Mourão. Sua mãe, Maria Josefa de Campos, faleceu três meses depois. A vizinha Lídia, esposa de João Cafurna, ajudou a criar os filhos pequenos. Pedro Ovídio teve seis filhos (4 homens e 2 mulheres) com a primeira mulher. E sete com a segunda, Francelina Maria de Jesus (4 mulheres e 3 homens). De todos os irmãos, Eurides era mais chegado a Ismael e Otávio.
Pedro Ovídio Pereira faleceu em 1935, quando Eurides tinha apenas 16 anos. O jovem guardou os relatos do pai sobre os tempos de São Paulo, a vinda para o Paraná e o povoamento de Campo Mourão. 

2ª Guerra Mundial
Em 1940, Eurides casou-se com Eliziria Lemes Teodoro, que lhe deu nove filhos. O casal morou no Barreiro das Frutas, na fazenda da sogra de Eurides, Almira Lemes Teodoro. Dois anos depois, com 3.000 pés de café plantados e dois filhos, Eurides foi sorteado para cumprir serviço militar. Serviu no 5º Regimento de Cavalaria Divisionária, em Curitiba.

Documentos antigos de EuridesFoto:Dirceu Portugal
Em 1942, o agricultor apresentou-se no quartel de Guarapuava junto com 10 mil reservistas. Foram 105 dias de espera. Por ordem do presidente Getúlio Vargas, os casados há mais de dois anos foram liberados. Eurides viu os ônibus que levaram os praças para o Rio de Janeiro, onde embarcaram para a Itália, para lutar na 2ª Grande Guerra. Mas ele ficou na reserva tendo que responder às chamadas a cada 90 dias em Pitanga, após ter retomado o trabalho na agricultura. 

Em contato com o agrônomo e deputado federal Francisco Lacerda Werneck, que tinha uma fazenda após o rio da Várzea, resolveu entrar na política. O primeiro mandato do governador Moysés Lupion (1948-1951) deixou marcas no interior do Estado – grilagem de terras, expulsão de posseiros e muitas mortes cometidas por pistoleiros das companhias colonizadoras. O Departamento de Inspetoria de Terras em Campo Mourão cometeu injustiças.
Quando Bento Munhoz da Rocha Netto ganhou a eleição, em 1951, Eurides trocou o PSD de Lupion pelo PR, do novo governador. Werneck, que assumiu a Secretaria da Agricultura, convidou-o:
- Você me ajudou. Eu vou lançar você vereador aqui.
- Mas doutor, eu tenho pouca leitura...
- Eu quero um homem pra trabalhar, não pra falar bonito!

Com Bento Munhoz
         Em 1952, Eurides tornou-se suplente da Câmara Municipal de Campo Mourão. Na primeira sessão, assumiu a cadeira do sargento Silvino Lopes de Oliveira, também do PR, que se elegeu prefeito do recém-criado município de Peabiru. Eurides pediu interdição de glebas em conflitos, ajudou a regularizar as terras dos Inácio no Muquilão, que corriam perigo de perdê-las para grileiros, e defendeu os posseiros. Com essa missão, liderou uma comissão a Curitiba e foi recebido pelo governador Bento Munhoz da Rocha Netto (foto).
        O vereador teve forte atuação na área educacional. Criou projetos de revitalização de uma grande escola no Lar Paraná e construção da Escola Isolada Almira Lemes da Silva, no Barreiro das Frutas, que foi construída por Luiz Custódio Sobrinho. Até então crianças assistiam aulas na casa de Luiz Custódio, sendo sua esposa Ana Teodora Pereira a merendeira da turma.
        O nome da escola foi uma homenagem prestada à sogra Almira Lemes, por quem Eurides tinha grande estima. Ela conhecia como ninguém as origens das famílias Pereira e Custódio/Teodoro e seus os laços desde Minas Gerais e São Paulo. No tempo do namoro com a filha dela, Elizíria, o jovem Eurides passava horas seguidas ouvindo os relatos de Almira.
         
        Duas professoras também foram nomeadas por iniciativa de Eurides. O vereador mandou ampliar o antigo caminho para o norte do Paraná, do rio da Várzea até Jandaia do Sul. Com ajuda de um trator Caterpillar D7 e de um motorista vindos de Curitiba, foram ampliados caminhos e abertas estradas vicinais na zona rural. Foi Eurides também quem, em 1954, após a morte de Getúlio Vargas, sugeriu que a praça central recebesse o nome do ex-presidente. O vereador argumentou que o antigo nome, Dez de Outubro - emancipação do município, em 1947 - já fora dado ao clube social da cidade, e que o estadista merecia uma homenagem à sua altura.
            Para quem tinha pouca leitura, Eurides cumpriu um ótimo mandato como vereador. Com o retorno de Moysés Lupion ao governo do Estado, Eurides sofreu retaliações de adversários regionais do PSD, que chegaram até a mudar o nome de seu pai de uma rua da cidade.

Eliziria deu à luz a João Maria, Áurea, Jair, Maria Josefa, Inézia, Leony, Ezoel, Carmen e Edson, que cresceram, casaram, seguiram seus rumos e deram netos e bisnetos. Eliziria faleceu em dezembro de 1984 e Eurides casou-se de novo, com Lídia Maria Kuligoski Pereira, em 1988.
     
     Eurides virou referência histórica em Campo Mourão. Nas rodas de pioneiros, nas comemorações, lá estava o decano, sempre procurado pela imprensa, estudiosos e parentes para narrar a saga dos Pereira, como se formou o tronco da família e como ela cruzou com os Custódio, primeiro em Minas Gerais, depois em Ilha Grande e Santa Cruz do Rio Pardo, em São Paulo; a grande viagem para o Paraná e os primeiros tempos em Campo Mourão, a cruz de cedro que virou árvore na sepultura de Maria Silvério, a esposa de seu avô e primeira pessoa que faleceu em Campo Mourão. Afinal, foi o pai de Eurides,  Pedro Ovídio Pereira, quem, em 1903, do alto de uma árvore, avistou Campo Mourão e sinalizou para o avô, José Luiz Pereira, após um longo tempo de viagem desde São Paulo e incansável procura no sertão guarapuavano – seis anos desde a saída em 1897.

Eurides jamais esqueceu a infância no rio Cachoeira. As brincadeiras do primo João Pereira da Cruz com os irmãos Dorvalino, Ismael e Otávio na bica do monjolo. Seu pai gostava mesmo de modas paulistas e de bailes. Também cantava e fazia violas. A casa tinha salas de bailes. A do meio era para fandango, de assoalho firme para suportar o tranco. A paulistada cruzava a noite sapateando em ritmo cadenciado ao som dos instrumentos. Fandangavam até raiar o dia. Na cozinha, em dois fornos, cozinhava-se arroz com frango para matar a fome dos foliões.

Boas lembranças, tempos felizes!
Mas e se Eurides tivesse seguido em frente com Camarguinho, para estudar e viver em Curitiba, como teria sido a vida – pior ou melhor? Ninguém sabe a resposta, só Deus!

Texto extraído e adaptado do livro ainda não publicado “Água Fria”.

 Foto do acervo do historiador Jair Elias dos Santos Júnior.
(Governador Bento Munhoz, Eurides Ovídio Pereira é o de gravata listrada, entre José Carneiro Silvério Pereira (José Mineiro) e Ortulino Carneiro Silvério Pereira. No total, a comissão era formada por sete pessoas).







2 comentários:

  1. Excelente e imprescindível resgate histórico da vida do paranaense Eurives Pereira. É muito bom conhecer a história e exemplos de pessoas assim. Recomendo a leitura!

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  2. Obrigado a quem quer que seja, independente de laços parentescos.

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